Eleição na Venezuela: entenda os principais desafios econômicos da nova gestão — seja ela qual for
Quem assumir o cargo de chefe de Estado do país precisará enfrentar um cenário de inflação e dívida elevadas, sanções norte-americanas e alto nível de pobreza. Venezuelanos participam de comício no período pré-eleitoral.
Isaac Urrutia/ Reuters
As eleições presidenciais da Venezuela acontecem neste domingo (28), e trazem consigo uma longa lista de desafios econômicos ao novo chefe de Estado — seja ele quem for.
Especialistas consultados pelo g1 dizem que aquele que assumir o posto de presidente venezuelano em 2025 terá muitos obstáculos na tentativa de arrumar os indicadores de atividade, reduzir a pobreza e colocar o país de volta no mapa econômico do mundo.
Entre os principais problemas, estão:
A inflação de dois dígitos;
A dívida elevada;
O nível elevado de extrema pobreza;
Uma série de sanções ainda impostas pelos EUA.
Inflação de dois dígitos
De acordo com os indicadores oficiais, o governo de Nicolás Maduro, atual presidente venezuelano, conseguiu retomar algum controle de preços nos últimos meses. Mas os indicadores de inflação do país continuam elevados em comparação com países latino-americanos.
O Índice de Preços ao Consumidor do Banco Central da Venezuela (BCV) encerrou o mês de junho em 1%, uma desaceleração após ter registrado 1,5% em maio. Em junho e maio de 2023, o indicador era de 6,2% e 5,1%, respectivamente.
Mas o Observatório Venezuelano de Finanças (OVF) — considerado uma referência do setor privado no país na medição de indicadores econômicos em meio à escassez de estatísticas oficiais — traz resultados diferentes.
De acordo com o OVF, o Índice de Preços ao Consumidor do país ficou em 4% na variação de maio deste ano, acumulando 13,9% no ano e 80% em 12 meses.
O número representa uma aceleração em comparação ao mês anterior, quando havia registrado uma variação positiva de 2,7%. Já em maio de 2023, a variação havia sido de 7,6% no mês, com um acumulado de 84,9% nos cinco primeiros meses do ano, e de 458% em 12 meses.
Ambos os resultados indicam uma desaceleração dos preços venezuelanos em relação a anos anteriores, quadro que se forma em meio às medidas do governo de restrição do crédito e da despesa pública, além do esforço em manter a taxa de câmbio estável.
Segundo o professor do mestrado de economia e mercados da Universidade Presbiteriana Mackenzie Clayton Pegoraro, no entanto, o quadro socioeconômico do país não acompanhou a melhora inflacionária.
“Para manter uma certa estabilidade interna, o governo venezuelano vem gastando muito dinheiro, com uma quantidade expressiva de auxílios. E não existe uma fórmula mágica que possa resolver. Temos um governo que, para agradar o eleitor de alguma forma, tem tentado controlar os preços. Mas a população ainda vive uma crise”, afirmou.
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Dívida elevada
Além de uma dívida externa de US$ 150 bilhões (aproximadamente R$ 846 bilhões) que a Venezuela tem tentado reestruturar desde abril, especialistas afirmam que o país também afundou os cofres públicos em gastos nos últimos anos.
Isso porque o combo de inflação e juros elevados, o alto número de pessoas na extrema pobreza no país e a falta de reajustes salariais, exigiram que o governo tomasse medidas para dar o básico para a população.
Isso resultou em uma série de estímulos e subsídios como forma de injetar dinheiro na economia e evitar que a crise piorasse no país.
“Claro que existe quem tenha dinheiro na Venezuela, mas ainda temos um quadro grande de pobreza extrema no país. E em uma crise interna, é muito difícil tentar conciliar o corte do gasto público e a satisfação popular”, afirmou Pegoraro, do Mackenzie.
Para o professor, o controle dos gastos públicos pode ser um dos maiores desafios a serem enfrentados pela nova gestão, principalmente se a oposição a Maduro for a vencedora da disputa. “Se o Maduro ficar, as coisas ficam do jeito que estão. Agora, se a oposição vencer, a principal questão a ser enfrentada é o gasto público”, disse.
“Vai ser preciso cortar dinheiro de algum lugar e, se não conseguirem, podem precisar aumentar a tributação. Mas como você aumenta imposto em um cenário de pobreza? E se esse aumento de tributo afetar a alimentação, como fica? É complexo porque até mesmo a estabilização da inflação passa pelo controle do gasto público”, acrescentou Pegoraro.
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Níveis elevados de extrema pobreza
A crise econômica enfrentada pela Venezuela nos últimos anos também deixa seus rastros na população. Dados da última Pesquisa de Qualidade de Vida, divulgada pela Universidade Católica Andrés Bello em março deste ano indicaram que mais da metade da população venezuelana (59,1%) vivia na extrema pobreza.
Segundo o economista e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, o modelo econômico seguido pela Venezuela nos últimos 20 anos fez com que o país deixasse de ser uma economia de mercado.
Um país considerado uma economia de mercado é aquele em que as decisões de investimento, produção e distribuição são guiadas pela lei de oferta e demanda e não por intervenção federal.
“O governo venezuelano é, hoje, o maior provedor de bens e serviços. E isso causou uma ineficiência econômica e produtiva gigantesca, com todas as dificuldades que esse tipo de molde gera”, avaliou o especialista.
“E com o passar do tempo, isso também piora o ambiente econômico, tornando o país mais pobre e incapaz de atender às demandas da população. Essa é uma das causas do empobrecimento visto no país”, completou Campos Neto.
Além disso, os níveis elevados de alta pobreza no país também têm gerado uma forte onda emigratória na Venezuela nos últimos anos.
Informações do Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade indicam que, apenas no Brasil, mais de 135 mil pessoas tiveram o deslocamento assistido vindo da Venezuela entre abril de 2018 e junho de 2024.
Simpatizantes de Nicolás Maduro marcham por Caracas, em 25 de julho de 2024
Fernando Vergara/AP
Sanções impostas pelos Estados Unidos
Os Estados Unidos impuseram uma série de sanções à Venezuela ao longo dos anos, em resposta a ações consideradas antidemocráticas tomadas pelo regime de Nicolás Maduro.
Em 2019, por exemplo, acusando o país de fraude eleitoral, os EUA já haviam imposto punições ao setor petroleiro da Venezuela, principal atividade econômica do país.
As sanções se aliviaram em 2022, em meio à crise de combustíveis que atingiu o mundo após a deflagração da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Mas foram retomadas no começo deste ano, após a Justiça da Venezuela ter confirmado a desqualificação da candidata presidencial da oposição, María Corina Machado.
Machado havia ganhado as eleições primárias do país em outubro do ano passado, foi impedida de ocupar cargos públicos por 15 anos pelo Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, em uma decisão alinhada com o governo Maduro.
“O país é um grande produtor de petróleo. Isso significa que, para o bem ou para o mal, eles ainda produzem algo que o mundo ainda é extremamente dependente, já que a nossa base energética ainda é amplamente baseada no combustível fóssil”, afirmou Pegoraro, do Mackenzie.
Para os especialistas, no entanto, o fim das sanções impostas pelos EUA ao setor petrolífero da Venezuela depende do resultado das eleições.
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Isso porque ainda há dúvidas sobre o quanto a eleição do país será calcada em princípios democráticos e justos – base principal do Acordo de Barbados, firmado em 2023 pelo regime de Maduro e a oposição. Caso esses princípios sejam cumpridos na eleição deste ano, eles permitiriam um relaxamento das sanções estadunidenses.
As preocupações de um descumprimento do acordo cresceram nas últimas semanas, após o atual presidente venezuelano, Nicolás Maduro, ter afirmado que o país pode enfrentar um “banho de sangue” e uma “guerra civil” caso ele não seja reconduzido ao cargo.
“É um discurso áspero e belicoso, com falas ameaçadoras e que colocam medo na população. E isso ainda aumenta as dúvidas sobre se, em uma eventual vitória da oposição, Maduro entregará o poder”, explicou Pegoraro.
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Outros desafios da nova gestão
Apesar de as pesquisas recentes de intenção ao voto conduzidas no país terem indicado que Maduro tem chances reais de ser derrotado, o histórico eleitoral da Venezuela ainda traz incertezas sobre qual pode ser o resultado da eleição.
Para especialistas, uma mudança efetiva no cenário econômico do país só deve se concretizar caso a oposição consiga vencer a disputa. O principal adversário de Maduro é o ex-diplomata Edmundo González Urrutia.
Em entrevista recente concedida ao g1, González afirmou que, entre os principais desafios econômicos de um eventual governo estava promover a valorização da moeda nacional, o bolívar. Nos últimos anos, houve um movimento de dolarização muito forte na economia venezuelana.
“Temos uma economia que está no chão. Precisamos recuperar o poder aquisitivo da moeda e alcançar uma taxa de câmbio que esteja em sintonia com a nova realidade econômica do país. Enfim, há muitas coisas que precisam ser feitas nesse sentido”, afirmou.
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Mas não é só. Um eventual novo governo ainda precisará angariar capital político para conseguir ter sucesso em colocar a Venezuela de volta ao mapa econômico do mundo.
“Economia e política andam juntos. A oposição precisa não apenas eleger um candidato, mas também eleger uma base política para conseguir implantar as medidas prometidas, que são medidas que transformam a Venezuela e mudam a rota do caminho que está sendo seguido”, completou Pegoraro, do Mackenzie.
Segundo Campos Neto, uma vez com o apoio político necessário, uma série de medidas que “reconstruam as bases econômicas” da Venezuela, transformando-a de volta em uma economia de mercado.
“Será um processo árduo e duro de trazer os incentivos corretos para que as companhias floresçam e consigam atender às demandas da população”, disse o economista, reiterando que um ponto de partida pode ser o estímulo ao setor petrolífero venezuelano.
Dados do serviço de inteligência dos Estados Unidos (CIA, na sigla em inglês), por exemplo, indicam que a Venezuela é o país com as maiores reservas de petróleo do mundo, com mais de 303 bilhões de barris, segundo registro de 2023.
“O país precisa voltar a ser um grande produtor. Com o Estado saindo da posição de único provedor de serviços e produtos, haverá espaço para que a inovação, o empreendedorismo e a criação de companhias voltem a crescer, gerando um dinamismo econômico e de renda”, disse Campos Neto.
“O ponto é desamarrar a economia venezuelana e deixá-la mais livre, para só então eles começarem a colher os bons frutos disso, que vão demorar. É um longo caminho”, concluiu.
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