Conta de luz: medida do governo beneficiou bancos e só deve reduzir tarifas em 0,02%, diz Aneel
Governo previa redução de 3,5% nas faturas ao antecipar quitação de empréstimos de distribuidoras. Benefício a consumidores caiu de R$ 510 milhões para R$ 46,5 milhões. Anunciada sob a promessa de reduzir as contas de luz em 3,5%, a medida do governo federal para aliviar as contas das distribuidoras de energia deve gerar um benefício global de apenas 0,02% aos consumidores.
A informação consta no voto do diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Fernando Mosna. A agência se reuniu para debater a medida nesta terça-feira (29).
Segundo Mosna, os principais beneficiados não foram os consumidores, mas sim os bancos (leia abaixo).
A medida foi anunciada em abril deste ano. O Ministério de Minas e Energia esperava abater as contas em 3,5% ao antecipar verbas para as distribuidoras pagarem dois empréstimos tomados em anos anteriores:
a chamada “Conta Covid”, que cobriu custos extras durante a pandemia;
e a chamada “Conta Escassez Hídrica”, criada para enfrentar os custos da crise hídrica de 2021.
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Nos dois casos, os encargos desses empréstimos vinham sendo repassados às contas de luz dos brasileiros.
Para pagar os valores, o governo antecipou depósitos feitos pela Eletrobras na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) – um encargo pago por todos os consumidores, e que tem crescido nos últimos anos.
O Ministério de Minas e Energia conseguiu antecipar R$ 7,8 bilhões, o suficiente para pagar a maior parte dos cerca de R$ 9 bilhões devidos pelas distribuidoras.
O benefício esperado para os consumidores, no entanto, não se concretizou.
Nas projeções da equipe de Alexandre Silveira, essa operação geraria uma economia de R$ 510 milhões – que seria revertida para as contas de luz dos brasileiros.
Contudo, depois de ir ao mercado financeiro para antecipar os valores da Eletrobras, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) calculou que o benefício seria de R$ 46,5 milhões — o que representa um desconto de 0,02% na conta de luz.
A CCEE chegou a reduzir ainda mais o benefício ao consumidor, para R$ 2,8 milhões – mas depois voltou atrás, relata a Aneel.
O cálculo final da economia para os consumidores seria então de R$ 46,5 milhões: quase 91% menor que o anunciado pelo governo.
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Em nota, o Ministério de Minas e Energia disse que a medida estabeleceu como critério a comprovação do benefício ao consumidor e que o negócio levou à redução dos juros dos empréstimos.
“Nesse sentido, por naturalmente envolver incertezas inerentes a qualquer projeção, o resultado do benefício aos consumidores foi sendo atualizado ao longo do processo”, disse a pasta.
Além disso, segundo o ministério, “o critério objetivo estabelecido para a celebração da operação de antecipação não mensura os benefícios macroeconômicos decorrentes da redução tarifária, nem mesmo os benefícios sociais decorrentes do aumento da disponibilidade de renda das famílias brasileiras” (leia a nota na íntegra no fim desta reportagem).
Bancos são beneficiados
O voto do diretor Fernando Mosna revela ainda que a operação para antecipar os depósitos da Eletrobras prevê uma taxa de “waiver” [adicional] de 3% do total do saldo devido pelas distribuidoras.
Essa taxa foi negociada com os credores das contas Covid e Escassez Hídrica para que eles aceitassem o pagamento antecipado dos empréstimos.
O valor da taxa soma R$ 285,1 milhões – seis vezes maior que o benefício ao consumidor calculado pela CCEE.
“Em outras palavras, o protagonista do setor elétrico – o consumidor – foi utilizado como justificativa para uma operação financeira da qual não foi o maior beneficiário, enquanto os bancos se posicionaram como principais ganhadores”, diz Mosna, em seu voto.
Medida ‘seletiva’
A medida provisória que possibilitou o adiantamento dos valores e pagamento das dívidas teve um efeito positivo para consumidores de 50 distribuidoras – mas “retirou” dinheiro de outras 53 empresas.
“Quando a participação de uma distribuidora nas Contas Covid e Escassez é menor do que o valor que lhe cabe do aporte da CDE Eletrobras [depósito da Eletrobras na CDE], o resultado da operação de antecipação […] não se mostra benéfico, gerando, ao contrário, um prejuízo aos consumidores”, escreve Mosna.
Ou seja: na prática, enquanto beneficiou algumas distribuidoras – aquelas que tomaram empréstimos na pandemia e na crise hídrica de 2021 –, a medida acabou prejudicando as empresas que não fizeram essas operações crédito.
Na média, essa diferença também anulou as vantagens que seriam recebidas pelos consumidores.
Entre as distribuidoras mais “prejudicadas” estão Cemig, Coelba e Light.
Fiscalização
A diretoria da Aneel aprovou nesta terça-feira (29) a abertura de uma consulta pública sobre a regulamentação do benefício aos consumidores.
Além disso, a agência vai fiscalizar a atuação da CCEE na elaboração dos cálculos e no processo de antecipação dos depósitos da Eletrobras.
A fiscalização vai abordar “desde a análise cláusulas contratuais até a verificação das metodologias e premissas de cálculo do benefício ao consumidor”. Em seu voto, Mosna levanta a possibilidade de a CCEE ter atuado para inflar os dados de benefício.
O diretor também propôs encaminhar o processo ao Congresso Nacional, à Controladoria-Geral da União (CGU) e ao Tribunal de Contas da União (TCU) para apurar a atuação do secretário de Energia Elétrica, Gentil Nogueira.
Mosna foi seguido pelo diretor Ricardo Tili, mas os diretores Agnes Costa e Sandoval Feitosa — que comanda o colegiado — discordaram. O envio do processo, portanto, ficou pendente de decisão.
Leia a nota do Ministério de Minas e Energia:
Diferentemente dos empréstimos contratados no passado, a MPv nº 1.212/2024 estabeleceu como condição para a realização da operação de antecipação de recebíveis a caracterização de benefício aos consumidores.
As diretrizes para aferição desse benefício foram estabelecidas pela Portaria Interministerial MME/MF nº 1/2024, a qual estabeleceu que a operação deveria ser realizada quando as projeções indicassem que o cenário de realização da operação de antecipação resultasse, sob a ótica dos consumidores, em um valor presente líquido superior ao do cenário de não realização.
Nesse sentido, por naturalmente envolver incertezas inerentes a qualquer projeção, o resultado do benefício aos consumidores foi sendo atualizado ao longo do processo, considerando-se, dentre outros aspectos, a data de quitação dos empréstimos, as expectativas relativas à evolução da taxa DI e à inflação, a atualização dos saldos devedores das Contas Covid e Escassez Hídrica, bem como os demais custos administrativos, financeiros e tributários envolvidos.
Em termos práticos, as condicionantes estabelecidas a partir da MPv nº 1.212/2024 garantiram a negociação de taxas de juros significativamente menores que as anteriormente pactuadas. Enquanto os empréstimos das Contas Covid e Escassez Hídrica tiveram uma taxa de juros efetiva equivalente a CDI+3,6% ao ano, a operação de antecipação de recebíveis foi negociada com uma taxa efetiva equivalente a CDI+2,2% ao ano.
Em relação aos impactos tarifários, a ANEEL divulgou comunicado, em 19 de agosto de 2024, indicando os benefícios da medida. Em termos específicos, a Agência relatou que a medida implicaria uma redução tarifária média de 1,8%. Destaca-se que essa redução, conforme explicado pela Agência em seu comunicado, já considerava o não recebimento dos recursos da Eletrobras, em 2025, os quais serão destinados ao pagamento dos credores da operação de antecipação.
Dando continuidade ao processo, nesta terça-feira, 29/10, a ANEEL decidiu pela abertura de consulta pública para discutir proposta de regulamentação dos efeitos para cada distribuidora da quitação antecipada das Contas Covid e Escassez, nos termos da Medida Provisória nº 1.212/2024 e da Portaria Interministerial MME/MF nº 1/2024.
Por fim, deve-se destacar que os impactos da quitação antecipada extrapolam o benefício mensurado na forma proposta pela referida Portaria Interministerial. Afinal, o critério objetivo estabelecido para a celebração da operação de antecipação não mensura os benefícios macroeconômicos decorrentes da redução tarifária, nem mesmo os benefícios sociais decorrentes do aumento da disponibilidade de renda das famílias brasileiras.
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